domingo, 26 de setembro de 2021

Promessa

Quando a saudade e a tristeza vierem outra vez lhe ver, explica esse incômodo com visitas inconstantes e sempre tão sem hora. Não basta ser saudade, não basta ser triste, não. A indelicadeza, a falta de modos impera. Diz a elas que, ainda assim, trata-lhes bem, esforçar-se-á para passar a tratá-las melhor. No abraço em que há de resguardá-las dos vícios todos, numa próxima oportunidade, tristeza e saudade e ti hão de ser unos. Um. Meus braços abertos, minha compreensão e cobranças mandam lembranças. E abrem-se um pouco mais num sorriso amarelo de cumplicidade. 

domingo, 3 de junho de 2018

Um cão vagabundo ao léu
Na língua de fora o sorriso de Karenin
A esbórnia de Flush nos descompromissos do sempre
Nas visões da beleza os preás de Baleia.
A morte se vai, apaga-se nos corredores de descalçadas patas fujonas do lar
(O lar verdade é o mundo)
Um cão sem amanhã: nada mais inteiro, mais belo, mais prodigioso por não ser, mais privilegiado em tanto ter.
Quando a gente vai à padaria comprar pão
A gente se confunde no vagal vagar do sorriso de um cão.

domingo, 16 de outubro de 2016

Homem virtude real, uma perspectiva

o homem inventa as drogas
(às quais aprisionar-se-á)
para livrar-se das drogas
que outrora inventou
prende a respiração, solta o ar que prendeu
para ganhar tempo para dinheiro criar
quando solta o ar, não se dá conta
da sujeira expelida, está cego
e com novo outro filho para criar
mas não sabe o que é criar um filho
(nem mesmo sabe que os filhos criou)
e então inventa o filho
remunera o filho
droga o filho
cega o filho.
o homem inventa então outras drogas
para privar-se da feia realidade
que à sua volta inventou.

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Gente má

Pessoas más que não escolhem hora
Nascem, crescem, morrem
E não escolhem hora pra morrer
Pode ser numa tarde de verão das mais especiais pro filho
Pode ser aos cinco anos do menino
Que, sem pai agora, órfão vai andar num mundo mal
Que permite gente má a habitá-lo de maldade
Tornar-se-á pessoa má no mundo
Vai crescer, morrer, sem escolher a hora pra morrer
Podendo ser no jantar de bodas, ao pé da esposa
No único casamento feliz que houve no mundo
No mundo mal que casamento não escolhe
Pra permitir que gente má sem avisar se vá
Deixando a mãe órfã de outro filho, só no mundo
O amigo que outro amigo igual não tem e não terá
Menino, criança, velho, gente má
Os netos ficam, sem entender, de nada importa
Abre outra dose de mundo, deixe estar
De nada importa a tristeza que há de haver
Sendo tristeza no feliz tudo o que há.

quarta-feira, 6 de julho de 2016

O Anjo Servo do Senhor

Nervo ciático, a noite escuta
Sede que fala, a noite escuta
Noite que berra, a noite escuta
Lua que ouve no viracopos

Noite que escuta, noite que canta
Coloriu prazer etéreo
Amnésia
Um anjo passou longe, a noite trouxe
Servia mais uma dose...

Cheguei ao lado pra ouvir,
a noite escuta
Ganindo, o cão avisa:
Tudo é sexo, é excesso
A noite conta que sou um ser indefinido

Mas ouço, a pena é que não lembro o que ouço
E a noite não volta contar
Quando volta, na outra noite
Estou ébrio outra vez

Late, late o cachorro
Sussurra o cão entre dentes
A noite sempre escuta!

Dor moral, tudo repetido é repetitório
Você entende a poesia
E a poesia não é feita pra entender
No endereço errado encontro a noite
E a noite não conta mentiras
Mas nada fala também
A noite apenas
Escuta
E atende

Quem chama sou eu, admito.
Mas a noite ouve tão bem...

Oh, Noite, abraço-te outra vez
Cruel e linda Noite
Incrível como nunca te escondes
E nunca te presto devida atenção
O endereço é sempre o mesmo
E eu, todo incerto.

Descubro-me a mim, logo eu
Um indivíduo cheio de certezas
(Sim, certezas.)

Tapo os ouvidos para o que o padre diz
E ouço novamente
O Anjo Servo de Deus
Ele a indicar caminho está
Escrevendo sempre reto por linhas tortas
Mas como cansa, Meu Senhor...

Sou certeza em pensamentos
Ainda que não os entenda
Ainda que eles sejam um tanto quanto poesia também
E ainda que eles sejam um tanto quanto poesia também
Também os ouve, a noite

Noite escuta, noite escuta
A noite fala, a noite não fala
Canta bastantes vezes
Canta bastante, a noite

Noite noite noite noite!
E essa gorda a meu lado não para de comer
O cheiro, pra mim, é pior do que o cheiro de merda
Merda doce

Mastiga sem parar
Procura com a mão enquanto mastiga
Mais doce no saquinho
Mastiga merda
Merda
De cavalo

Este pode estar sendo o último cigarro
Vai morrer
Ou parar de acreditar no Anjo Servo do Senhor

Mas ainda há noite
E enquanto houver noite
Tem sentimentos...

E ama.

segunda-feira, 27 de junho de 2016

Poema viva

De onde vem a vida
Se é que vem a vida
O quanto estamos nela
Se é que a existimos
O quanto o meu viver
Além de brincadeira
E do brincar de sério
Levar se deve a sério
Qual tanto é de verdade
Que tanto amor me vale
O que se chama amar
Um verbo assim sabido
Por que se preocupar
Mas se não se preocupa
Como vai me enganar
E se não me enganar
Por que aqui estar
Eterna brincadeira
De a sério me levar...

segunda-feira, 20 de junho de 2016

Dos advérbios, adjetivos abjetos e outros queridos entes

Vai, se culpa, o inocente
Inconsequente e indulgente
Forte e vil suficiente
Fraco corpo, torpe mente
E se desfaz comigo ausente
Faz tempo, eu, sobrevivente
Assim, insuportavelmente
O mais teimoso, o insistente
Nem feliz, nem descontente
Anestesia entorpecente
Faz-me o sujeito indiferente
Comum, comum a toda gente
Estar incluso, eu, de repente
Percebo, um sempre, novamente
Repete e pede (é comovente!):

Mais uma dose
Outro trago
Mais outro dia frio
E finaliza
A conversa das rimas mesmas
Num mesmo imenso vazio.